
Em linhas gerais, a alta médica hospitalar, como o próprio termo diz, é prerrogativa do médico. Quando hospitalizado, o paciente tem o direito de ter um médico como responsável direto pela sua internação, assistência e acompanhamento até a alta, sendo dever do Diretor-Clínico do estabelecimento de saúde as providências cabíveis para que isso ocorra.
Existem situações nas quais a alta hospitalar pode ser solicitada pelo paciente ou por seus responsáveis, denominada alta a pedido. Para que o médico possa tomar a decisão em conceder ou não a alta nestes casos, é fundamental observar as especificidades do caso para saber se a referida alta envolve ou não iminente risco à vida do paciente.
No caso da alta a pedido em que não haja risco à vida do paciente, o primeiro passo a se tomar é esclarecer ao paciente ou a seus representantes legais (se possível na presença de testemunhas) de maneira ampla, completa, acessível e isenta, todas as vantagens, desvantagens e eventuais riscos da alta solicitada. Prestadas tais informações, caso o paciente ou familiares insistam pela alta médica, é necessário concedê-la, visto que nem o médico responsável nem o hospital podem ferir o princípio da autonomia do paciente, cerceando seu direito de “ir e vir”. Os pacientes ou representantes legais que, devidamente esclarecidos, insistem pela alta a pedido, assumem o não cumprimento da determinação médica de permanecer sob tratamento intra-hospitalar, desobrigando o profissional e hospital de darem continuidade ao tratamento, bem como de emitir receita.
Repise-se, antes da concessão da alta, algumas formalidades devem ser seguidas:
- Anotar todo o processo de esclarecimento e tomada de decisões diretamente no prontuário, inclusive com assinatura das partes envolvidas;
- Elaborar um “Termo de alta a pedido contra indicação médica” assinado pelo paciente ou por seus responsáveis, explicitando de maneira ampla, completa, acessível e isenta todas as vantagens, desvantagens ou riscos da alta solicitada, com declaração do paciente que entendeu todo o exposto, concorda, e insiste pela alta (parecer CRM Nº 11/1997);
A assinatura do termo de responsabilidade apenas explicita o direito do paciente ou seus representantes quanto à decisão sobre sua saúde e bem estar.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) entende da mesma forma, na medida em que o conselheiro Henrique Carlos Gonçalves, no parecer nº 20589/00, emitiu entendimento de que quando o paciente, tendo sido devidamente esclarecido e não apresentando risco de vida iminente, assume o não cumprimento da determinação médica de permanecer sob tratamento intra-hospitalar, desobriga o médico de dar continuidade ao tratamento, bem como de emitir receita.
No mesmo sentido, o Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul, através do relator Marcos Paulo Tiguman (parecer nº 11/1997), conclui que o médico não será responsável por eventuais prejuízos causados à saúde do paciente que se recusou a prosseguir com práticas terapêuticas ou cirúrgicas, pois a alta a pedido deve ser respeitada pelo médico como legítima manifestação de vontade do paciente, salvo em iminente perigo de vida ou de grave risco à sua saúde.
Lado outro, para os casos onde a alta à pedido implique em iminente perigo à vida do paciente, o médico pode e deve se recusar a concedê-la.
Essa é uma exceção prevista no Código de Ética Médica para que o médico possa intervir contrariamente à vontade do paciente, em situações de “iminente risco à vida”, conforme art. 31:
“É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”.
Portanto, é a gravidade ou a iminência de perigo à vida que deve condicionar a aceitação ou recusa da alta a pedido.
Vale a pena ressaltar que, se a saúde do paciente agravar-se em consequência da alta a pedido, o profissional que a autorizou poderá ser responsabilizado pela prática de seu ato, assim como o hospital, pois “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”, no caso por omissão de socorro, imprudência ou negligência. Existe também a responsabilidade penal, na modalidade culposa para os crimes de homicídio e lesões corporais, quando praticado através de imprudência, negligência ou imperícia.
RESSALVA IMPORTANTÍSSIMA SEJA FEITA, para casos em que o paciente seja menor impúbere, o médico poderá, a seu critério, negar a concessão da alta médica mesmo na hipótese em que não haja risco iminente de morte da criança, caso entenda que a eventual alta poderá trazer qualquer risco à sua saúde.
É que o ECA, prevê ser dever da comunidade e sociedade em geral (incluindo do médico) a assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos à vida e saúde da criança e do adolescente, conforme o art. 4º:
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde , à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
Garante, inclusive, que as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos no Estatuto forem ameaçados (inclusive, por falta, omissão, ou abuso dos pais ou responsáveis):
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III – em razão de sua conduta
Assim, em se tratando de caso de menor impúbere, caso se efetive a solicitação de alta à pedido pelos responsáveis legais, poderá o médico assistente recusar em fornecê-la (por qualquer motivo, bastando que entenda que a referida decisão poderá trazer qualquer risco, por menor que seja, de ferir o direito à vida ou à saúde da criança).
Nessa hipótese, instalada qualquer celeuma, o conselho tutelar, e, se o caso, Vara da Infância e da Juventude deverão ser acionados para a resolução do conflito.